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Breves Aspectos da Recuperação Judicial e a Mediação


A Recuperação judicial é um procedimento destinado a viabilizar a preservação da empresa, entendendo-se como empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966, CC).


Esse procedimento foi concebido com advento da Lei 11.101/2005, 10 (dez) anos antes da Lei 13.140/2015 que versa sobre a mediação, um dos meios de solução de conflitos e controvérsias, bem como de autocomposição de conflitos entre a Administração Pública.


Assim, em que pese o lapso de uma década entre as duas legislações, a correspondência entre os dois institutos é inegável.


Para que a recuperação judicial atinja seus objetivos, alguns princípios devem ser considerados na interpretação da Lei 11.101/05. São considerados princípios da recuperação judicial: princípio da preservação da empresa e de sua função social, da dignidade pessoa humana, igualdade entre os credores, a lealdade, a impossibilidade de imposição de sacrifício maior aos credores, o tratamento jurídico diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte, valorização do trabalho, da segurança jurídica e da efetividade do direito.


O conceito trazido pela Lei de Falências e Recuperação em seu artigo 47 contempla a função social da empresa, que passa a desempenhar papel que transcende a geração de lucro, alcançando também a geração de empregos, a remuneração dos empregados, a circulação de capital e arrecadação de tributos.


Trata-se, assim, de processo judicial que visa a conciliar os interesses dos credores e das empresas devedoras (recuperandas), sem perder de vista, ainda, os interesses da própria sociedade civil, o interesse coletivo, já que as empresas ou empresários, como é notório e afirmado expressamente no art. 47 da Lei de Recuperação Judicial, são importantes fonte de geração de emprego e circulação de riquezas.


Dessa forma, o soerguimento das empresas ou companhias em situação de crise, portanto, passa pela conciliação de interesses, sobretudo de credores e devedores.


O instrumento que materializa o soerguimento da empresa em crise é o plano de recuperação, documento por meio do qual, de acordo com o art. 53 da Lei 11.101/2005, deverá necessariamente conter: (a) discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados para o soerguimento da empresa; (b) demonstração da viabilidade financeira; e, por fim, (c) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional ou empresa legalmente habilitados.


Apresentado o plano em juízo pela sociedade empresária (recuperanda) e publicado edital, a fim de cientificar todos os credores, abre-se, para estes, a possibilidade de apresentação de objeção ao plano de recuperação judicial. Assim, o “juiz deve, então, convocar a Assembleia Geral dos Credores para discutir e votar o plano de recuperação judicial da devedora, eventuais planos alternativos, bem como as objeções deduzidas.”


Percebe-se, assim, que é ampla a possibilidade de discussão pelos credores. O plano de recuperação segue, então, para deliberação em assembleia, assim como as demais matérias. Aprovado o plano, nos termos da Lei de Recuperação, segue-se à homologação judicial e, finalmente, o período de 2 (dois) anos previsto no caput do art. 61 da Lei de Recuperação, para cumprimento do plano.


É relevante destacar, que, com a aprovação do plano, ocorre a novação dos créditos anteriores ao pedido (art. 59 da LFR) e que, durante o período inicial dos 2 (dois) anos previstos no caput do art. 61 da Lei 11.101/2005, o descumprimento de obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência (LFR, art. 61, § 1o ). Passado esse período inicial, na hipótese de inadimplemento, terá, então, o credor a possibilidade de exigir a tutela específica, com o cumprimento da obrigação, ou, então, poderá requerer a falência.


A mediação, por sua vez, recebeu também tratamento especializado pelo legislador sendo um procedimento voluntário de resolução de conflitos, conduzido por mediador capacitado para atuar de forma imparcial e independente. Na mediação busca-se alcançar a compreensão do conflito e dos reais interesses das partes envolvidas, por meio do diálogo e da investigação de questões (problemas) e motivações.


Nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 13.140/15, a mediação consiste na "atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.”


A mediação é orientada pelos princípios: (a) da imparcialidade do mediador; (b) da isonomia entre as partes; (c) da oralidade; (d) da informalidade; (e) da autonomia da vontade das partes; (f) da busca do consenso; (g) da confidencialidade; e (h) da boa-fé. Tais princípios estão previstos no art. 2o da Lei de Mediação.


O procedimento de mediação pode ter natureza judicial ou extrajudicial. A diferença entre ambos reside, basicamente, em dois fatores: a figura do mediador e a presença, ou não, de advogado que assista as partes envolvidas na mediação.


Na mediação extrajudicial “qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se” poderá funcionar como mediador, de acordo com o art. 9o da Lei de Mediação.


Quanto à representação, o art. 10 da Lei de Mediação consigna ser desnecessário o comparecimento das partes acompanhadas de seus respectivos advogados. Comparecendo, no entanto, qualquer das partes acompanhada de advogado, o procedimento somente poderá seguir se todas as partes estiverem devidamente assistidas.


A mediação judicial, por sua vez, tem regras específicas para a escolha do mediador. Somente “poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça”.


Assim, de acordo com o disposto no art. 3o da Lei 13.140/2015, “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”. Evidente, portanto, que não se afasta a mediação nas hipóteses de recuperação judicial ou falência, ou, ainda, nos conflitos decorrentes dos processos de insolvência.


Não há, portanto, qualquer óbice à aplicação da mediação em sede de recuperação judicial. Aliás, foi com esse intuito que tivemos uma importante alteração na Lei 11.101/2005, visto que foi incluída a mediação como sendo uma ferramenta útil de resolução de conflitos, visando à facilitação de diálogo entre as partes para que melhor administrem seus problemas e consigam alcançar por si só uma solução.


Assim, o legislador, acrescentou por meio da reforma da Lei 11.101/2005 o artigo 22 “j”, no qual dispôs que o Administrador Judicial deve estimular a mediação e a conciliação em processos de recuperação judicial, bem como, os artigos 20-A e 20-B, que tratam acerca da utilização da mediação e conciliação antecedentes e incidentais nos processos de recuperação judicial.


Cito alguns exemplos que foram utilizados o instituto da mediação, tal como na primeira recuperação judicial da Oi, onde foram resolvidos mais de 60.000 acordos pro meio da mediação. Outra recuperação judicial bem conhecida, a “Odebrecht” que tinha mais de 80 bilhões de débitos, e foi recomendado a utilização da mediação como método de resolução de conflitos. Temos também, recentemente, o caso do Grupo Americanas, em que também, por conta da quantidade de credores, foi recomendado utilização da mediação.


É de se entender o quanto a mediação foi importante e precisa ser realmente aplicada principalmente em casos de recuperações judiciais com inúmeros credores, nos quais é primordial a participação de profissionais que trabalham na área e tenham qualificação técnica sobre a mediação e conciliação, além dos conhecimentos já desejados para quem lida com recuperação de empresas (contabilidade, direito, economia e administração).


Em síntese, com a união desses instrumentos, mediação ou conciliação e recuperação judicial, acredita-se que a prestação jurisdicional ocorrerá de forma mais célere, eficiente e menos onerosa, com a concretização de um dos princípios basilares da recuperação judicial:, a preservação da empresa.


É, pois, válida e eficaz a cláusula de mediação prevista em plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia geral de credores e homologado pelo Juízo da Recuperação Judicial. Ou ainda, a utilização de mediações antecedentes aos processos de recuperações judiciais. Trata-se, ademais, de medida elogiável, seja para reduzir eventuais demandas decorrentes da recuperação judicial, seja, ainda, para permitir uma decisão consensual entre devedor e credores, ao invés de uma impositiva determinação judicial.


Por: Suzimaria Maria de Souza Artuzi, associada desde abril de 2023.

Advogada Sócia do Escritório Advocacia Souza Artuzi Contadora, Advogada, Mediadora Judicial pelo TJMT, Administradora Judicial em Recuperações Judiciais nas Varas Especializadas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.


LinkedIn: suzimariaartuzi


Este conteúdo é integralmente de responsabilidade da autora.

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